Riscos Além da Estrada: Doenças Que Atingem Motoristas de Ônibus
Professora da UnB analisa as doenças que atingem os motoristas de ônibus.
Setor é o primeiro em casos de esquizofrenia
Férias é sinônimo de descanso para grande parte da população. Mas para quem trabalha na área de transportes, essa é a época de ritmo mais intenso. Com a crise dos aeroportos, iniciada em outubro de 2006, um maior número de pessoas tem buscado o transporte terrestre como alternativa para viajar pelo país. A grande procura pelo ônibus sobrecarrega ainda mais o trabalho de motoristas, tornando ainda mais comum o aparecimento de doenças. O setor de transportes terrestres é o ramo de atividades que mais apresentou afastamentos de trabalhadores por esquizofrenia, e o segundo com maior número de diagnósticos de estresse – perde apenas para o transporte aéreo.
Vários são os fatores que contribuem para o desenvolvimento de transtornos mentais entre os empregados do setor rodoviário, segundo a professora da Universidade de Brasília Anadergh Barbosa Branco. A coordenadora do Laboratório de Saúde do Trabalhador da UnB analisou o número e o motivo dos atestados concedidos por mais de 15 dias e registrados no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) entre 2003 e 2004. “O isolamento social e o afastamento da família por muitos dias são algumas das razões que podem levar a doenças como alcoolismo e depressão. Apesar de transportar os passageiros, os motoristas passam muitas horas isolados em sua cabine, sem poder falar com ninguém”, destaca Anadergh.
Entre os motoristas de ônibus interurbanos e de transporte não-regular (aluguel do veículo para uma viagem específica), a depressão é o segundo e o terceiro motivos de afastamento, respectivamente. A professora explica que, entre os empregados que cumprem escalas irregulares, a incidência de episódios depressivos é maior por inviabilizarem a organização da família. A pressão para cumprir os trajetos e os horários – independente da qualidade das rodovias – também pode gerar estresse e, em casos mais graves, o desenvolvimento de quadros esquizofrênicos.
COLUNA
A principal doença registrada entre os trabalhadores de transportes terrestres, no entanto, está relacionada às dores osteomusculares. Cerca de 12 em cada mil empregados responsáveis por viagens interurbanas apresentaram dorsalgia (dor nas costas) nesse período. Entre os que trabalham com transporte não-regular de passageiros, dez em cada mil sofreram com o problema. “Além de passar grande parte do dia sentados, eles não têm estrutura alguma de descanso. No transporte não-regular, enquanto um motorista dirige, o outro dorme em um lugar improvisado junto ao bagageiro”, ressalta a pesquisadora.
A tensão e o medo de acidentes e dos assaltos cada vez mais constantes também são responsáveis por dorsalgias e outras doenças osteomusculares, além do estresse. No caso dos ônibus alugados, a preocupação com as barreiras de fiscalização é mais um fator que pode causar transtornos físicos e mentais. “Normalmente, esses ônibus apresentam algum tipo de irregularidade. Por isso, parar no posto policial é sempre um fator de estresse”, afirma Anadergh. É preciso ainda que os motoristas tenham sempre uma preocupação com o estado das peças do veículo para evitar que quebrem durante a viagem.
ALIMENTAÇÃO
Para quem vive nas estradas, ter uma boa dieta é um desafio. Os postos de gasolina, principal ponto de parada dos ônibus de linha e alugados apresentam um cardápio recheado de comidas gordurosas e, muitas vezes, de qualidade duvidosa. A falta de boas opções de alimentação fez com que 5% dos afastamentos registrados entre 2003 e 2004 fosse causado por algum tipo de distúrbio digestivo. De acordo com a professora, outra atitude prejudicial é a opção dos motoristas de beber pouco líquido para precisar fazer menos paradas.
Um dos pontos que chamou a atenção de Anadergh foi a alta incidência de casos de alcoolismo. “O consumo de álcool por motoristas pode ser considerado muito elevado, já que o número de afastamentos por essa razão foi bem maior do que os registrados em outros setores”, avalia. A média de alcoolismo em todos os ramos de atividade é de 4,4 casos em cada dez mil trabalhadores. Nos transportes terrestres, o índice registrado foi de 7,9 em cada dez mil.
Para a professora, problemas como esses colocam não só a vida dos motoristas em risco, mas de todas as pessoas que estão no trânsito – dentro ou fora do ônibus. “É uma situação em que todos ficam muito vulneráveis. O descuido ou um problema de saúde que atinja esse trabalhador pode motivar acidentes graves”, explica.
O ramo dos transportes terrestres esteve entre os primeiros setores com maior número de doenças mentais em 2004:
· 1° lugar em afastamentos por esquizofrenia e transtornos delirantes
· 2º lugar em afastamentos por estresse, perdendo apenas para o transporte aéreo. O número de incidências foi 4 vezes maior do que a média em todos os ramos de atividade.
· 3° lugar em afastamentos por depressão, perdendo para a indústria têxtil e o setor de fabricação e preparo de couro. O número de incidências foi 2 vezes maior do que a média em todos os ramos de atividade.
Dentre os afastamentos no transporte terrestre, as principais razões foram:
1. Doenças Osteomusculares (lombalgia, problemas articulares) – 28%
2. Lesões (fraturas, ferimentos, intoxicações) – 24%
3. Transtornos Mentais (depressão, estresse, fobias) – 14%
4. Doenças do Aparelho Circulatório (hipertensão, cardiopatia isquêmica, aterosclerose) – 10%
5. Doenças do aparelho digestivo (gastrite, úlcera, pancreatite) – 5%
As principais doenças registradas:
Transporte rodoviário interurbano de passageiros (número de afastamentos por cada 10 mil trabalhadores):
1. Dorsalgias – 120
2. Depressão – 65
3. Transtornos de discos intervertebrais (como hérnia de disco) - 44
4. Hipertensão – 37
5. Fraturas do punho e da mão – 22
Transporte rodoviário de passageiros não-regular (número de afastamentos por cada 10 mil trabalhadores):
1. Dorsalgias – 103
2. Hipertensão – 45
3. Depressão – 38
4. Transtornos de discos intervertebrais (como hérnia de disco) - 37
5. Fraturas da perna e do tornozelo – 29
Fonte: Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social (Dataprev) - Instituto Nacional do Seguro Social (INSS)
PERFIL
Anadergh Barbosa-Branco é doutora em Saúde do Trabalhador pela Universidade de Sidney (Austrália) e mestre em Saúde do Adulto pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Graduou-se em Enfermagem pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas. É coordenadora do Laboratório de Saúde do Trabalhador da Universidade de Brasília (UnB). Contatos pelo 3307 3373 ou pelo e-mail
Fonte: André Ribeiro/UnB Agência
Divulg.: luiz-cpc@hotmail.com